sábado, 6 de outubro de 2018

Sobre o casamento

Lá no final de 2015 eu recebi um convite. Vieram de meus primos Raina e Marquinho e de sua filha Amanda.

Amanda, que reside nos EUA, queria realizar a cerimônia de seu casamento no Brasil, e eles gostariam que eu fizesse os proclames.

A única certeza que tinham é que seria em Búzios, de frente para o mar.

Acredito que eles tenham sondado minha mãe primeiramente (pedido vindo de mãe é praticamente livre de recusas), pois vieram pisando em ovos, rodeando para não ir direto ao assunto, talvez pela ausência de cerimônia religiosa na religião que professo, o Espiritismo.

Eu fiquei tão feliz com o convite que na época escrevi um texto aqui, chamado "Buscar o sim". Vale a pena reler e relembrar. Confira!

Disse-lhes que quem estaria ali realizando a cerimônia seria o primo, e faria uma preleção universal sem nenhum rótulo religioso.. 

Recebi o abraço carinhoso dos primos por ter aceitado o convite, e as palavras afetuosas de minha mãe, por ter atendido o pedido deles.

E o tempo passou... e o tão sonhado dia chegou: 21 de abril de 2018.

* * *
Amanda conheceu Paul em Nova York, através de uma amiga em comum, Vanessa.

E Vanessa não poderia faltar nessa festa. E a cupido participou com a gente, realizando uma parte da cerimônia no idioma Inglês, para que os americanos presentes pudessem participar.

Paul é americano e estuda português. Entende e fala o idioma, sendo Saquarema uma de suas palavras favoritas.


Iniciei a fala dizendo que não era uma autoridade jurídica, tampouco autoridade religiosa, de modo que essa cerimônia não teria conotação civil nem religiosa. Seria a celebração da essência do casamento: um hino a vida, a união e ao amor.

Hoje vocês se unem para formar a célula base da sociedade: a família. E nesses dias de relações tão frágeis e instáveis, onde na primeira dificuldade o casamento se desfaz, vou usar da lembrança de três frases de nossos familiares queridos que foram ditas em momentos diversos de nossas vidas, que muito nos inspiram na união da família, e por consequência, na manutenção do casamento.


A primeira frase foi dita por minha mãe, Dag, no dia em que me casei. Ela me falou pessoalmente: "um casamento termina quando deixam de exister o amor e o respeito"

Logo, para se manter um casamento, respeito e amor são indispensáveis. Reguem sempre essas plantinhas. Se a gente não rega, a planta seca e morre. Não se dá de uma hora para outra, fiquem alertas aos sinais. O cuidado diário se faz necessário, e atentem para a rotina que corrói. Ame e repeitem-se como no dia em que se conheceram. Mantenham essas chamas acessas. Entenderam o recado?


A segunda frase Amanda, foi dita por seu avô, tio Ivan, no dia em que seu biso Laiz faleceu. Ele falou: "nós não vamos deixar a família morrer".

Quando casamos, é natural deixarmos o ninho dos pais e cuidarmos do novo lar. Mas não podemos jamais esquecer de onde viemos, dos nossos valores, de nossas origens, de nossa família. Visitem seus pais, seus familiares, mantenham contato e presença. Todos precisamos uns dos outros. E ser lembrado, traz um sentimento muito esquecido nesses dias: a gratidão. Sejamos gratos a nossos pais e a todos esforços que fizeram para nos tornar o que somos hoje.

Parabéns pela ideia de expor essa árvore da vida, ela nos diz que a família nunca vai morrer, e é por ai mesmo, esse é o caminho.

 





E a terceira frase foi dita por vovô Laiz, no dia em que minha primeira filha, Júlia, nasceu. Eu senti sua presença na maternidade, e ele falou: "o seu casamento começa hoje, pois ele só começa realmente com a chegada dos filhos".

Vocês já passaram por algumas pressões. Quando namoravam, pressionavam: quando vão ficar noivos? Ai vocês noivaram (e eu soube que Paul arrasou nesse pedido!), e a pressão mudou: quando vão se casar? Hoje vocês estão casando, e nova pressão se inicia: quando chegam os filhos?

Uma família sem filhos não se perpetua, a família termina com a morte. A frase de vovô faz sentido, pois os filhos são nossas heranças vivas. Vocês trazem as histórias de suas famílias, e essas histórias não podem terminar com vocês. Novos capítulos precisam ser escritos, e o mundo está precisando de boas histórias. Vovô Quinho é vovô de netos alheios, um excelente vovô garoto, e agora quer ter os seus netos também. Mãos a obra!! Mas podem curtir um pouquinho a vida a dois. A gente espera um pouco, não é família?!

Tudo muda com a chegada dos filhos, e tenham a certeza que essa mudança é para muito melhor!


A cerimônia ainda teve dois momentos emocionantes. Amanda é afilhada de Roberta (sua tia) e de Guilherme (seu tio), ambos falecidos. Eles se fizeram presentes na cerimônia, através da memória. Guilherme escrevia poesias, e Marcelinha (que é filha de Roberta e muito parecida com a mãe), declamou uma das poesias de Guilherme, homenageando a memória dos padrinhos de Amanda.


Antes da troca das alianças, os noivos surpreenderam fazendo seus votos com o coração, longe da tradicional decoreba do "te prometo ser fiel na saúde e doença,,,por todos os dias de minha vida". Amanda fez os votos em Inglês, e Paul em Português.




 Trocaram as alianças, deram o beijo de novela, e fomos para a festa mais animada dos últimos tempos.


 E lá de cima eu tenho certeza que ela estava feliz, aliás, todos os nossos queridos que não estavam mais fisicamente entre nós, se fizeram presente. Nas lembranças, e nos pequenos detalhes.


Aos meus amores, obrigado pelo convite e pela oportunidade de participar desse momento tão lindo e emocionante de nossas vidas. Que Deus siga abençoando seus dias. Sejam felizes, sempre! Amo vocês!


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Um homem de consciência

Precisava retomar a escrita nesse espaço, e o mote veio através de uma mensagem de minha prima no Whatsapp.

Ela passava pelo dilema de largar um ótimo emprego, onde teria que dividir seu espaço e sua genialidade com uma pessoa sem caráter e princípios, e que foi contratada para coordenar a equipe.

E fez um golaço de placa. Disse: abandonei o emprego. Leiam Um homem de consciência, de Monteiro Lobato. 

E fim, não falou mais nada...

Não conhecia esse conto do 'Pestana', que está publicado no livro Cidades Mortas, e que transcrevo abaixo, extraído desse site.

Desnecessário legenda. Mas eu não poderia deixar de lhe dizer: "Amo viver com pessoas inteligentes".

* * *


Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro.

Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos queriam: mudar-se para terra melhor.

Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o desaparecimento visível de sua Itaoca.

– Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons – agora só um, e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está se acabando…

João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível.

– É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então eu arrumo a trouxa e boto-me fora daqui.

Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada…

Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado – e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!

João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada, botou-as num burro, montou no seu cavalinho magro e partiu.

Antes de deixar a cidade, foi visto por um amigo madrugador.

– Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?

– Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim.

– Mas como? Agora que você está delegado?

– Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus.

E sumiu.

(Monteiro Lobato, CIDADES MORTAS. 12a Edição. São Paulo,   Editora Brasiliense, 1965)


* * *

Com este conto, do autor preferido de minha mãe, deixo aqui minha homenagem por não mais ter seus comentários estampados a cada postagem desse blog. Hoje fazem exatos nove meses que mamãe partiu para ouvir ao vivo as histórias do seu autor favorito.