quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Cão que ladra

Uma das agradáveis surpresas de 2015 foi a leitura de "A arte de pedir" da Amanda Palmer.

Quando vejo hoje tantas criaturas insatisfeitas, reclamando de tudo e de todos, e com seu conjunto de soluções para resolver todos os problemas do mundo, e nada fazem, eu lembro de uma história contada pela Amanda...


* * *

Um camponês está sentado na varanda de casa, à toa.

Um amigo aparece para cumprimentá-lo e ouve um som medonho, um ganido agudo e prolongado, vindo de dentro da casa.

— Que som pavoroso é esse? — pergunta o amigo.

— É o meu cachorro — responde o camponês. — Está sentado num prego.

— Mas por que ele não levanta e sai dali? — quer saber o amigo.

O camponês pensa e então diz:

— Ainda não dói o suficiente.

(...) Ao longo dos anos, Anthony me contava essa história sempre que eu estava sofrendo de algum surto autodestrutivo especialmente intenso. Era uma época pré-celular, então eu ligava para ele do alojamento da faculdade, dos quartinhos vagabundos em que eu morava de aluguel, dos apartamentos dos namorados e, no ano em que fui mochilar e estudar no exterior, dos orelhões de toda a Europa, em ligações a cobrar. Deixava mensagens que lotavam a secretária eletrônica e mandava pelo correio cartas datilografadas tão compridas que mal cabiam no envelope sem estourar a beirada.

POR QUE CONTINUO FAZENDO ESSAS COISAS COMIGO?, eu perguntava, me queixando da última ressaca arrasadora, da morte por um triz, da carteira extraviada, do termina-e-volta com o último namorado viciado (mas muito lindo).

Dava para vê-lo sorrindo do outro lado da linha.

Ah, querida. Ainda não dói o suficiente.


* * *


Dedico em silêncio, a todos aqueles que já pararam de latir e saíram de cima do prego.

5 comentários:

  1. Esse foi profundo...puts.

    Felipe

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  2. Rapaz, sensacional esse post. Muito verdadeiro!
    #flavioazevedo

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  3. Adorei, como sempre com os aspectos de alta profundidade. Muito apropriado para o momento que estamos vivendo. Bjs.

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Fiado só amanhã.
Obrigado e volte sempre.