terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O agradecimento do português

Pensou em algo d'além-mar?

Manoel ou Joaquim?

Quase isso...

Foi o António.


* * *


Provavelmente você não se lembra do que almoçou há um mês, no dia primeiro de novembro.

Mas certamente não esqueceu o nome do profissional que lhe alfabetizou, e de tantos outros professores fantásticos que passaram por sua vida. Sabe por quê?

Por que essa profissão é mágica! Semana passada recebi a mensagem abaixo de um desses professores. E eis a magia dessa profissão... O professor fica para sempre vinculado ao coração do seu aluno e vice-versa.

Por ocasião da conclusão de um trabalho na escola que dirige, ela enviou o vídeo abaixo para todos os profissionais que participaram do projeto.


Transcrevo o texto:

“Se me derem mais dois minutos, explico-vos o que eu quero dizer com a palavra agradeço. Há uns meses atrás estavas eu em Brasília a preparar a aula magna da Universidade de Brasília e vinha-me à cabeça que queria agradecer aos colegas brasileiros tudo o que me têm dado, e tem sido muito. E vinha-me à cabeça o Tratado sobre Gratidão de São Tomás de Aquino. Todos aqui saberão que o Tratado da Gratidão de São Tomás de Aquino tem três níveis de gratidão: um nível superficial, um nível intermédio e um nível mais profundo.

O nível superficial é o nível do reconhecimento, do reconhecimento intelectual, do nível cerebral, do nível cognitivo do reconhecimento. O segundo nível é o nível do agradecimento, do dar graças a alguém por aquilo que esse alguém fez por nós. E o terceiro nível mais profundo do agradecimento é o nível do vínculo, é o nível do sentirmos vinculados e comprometidos com essas pessoas.

E de repente descobri uma coisa na qual eu nunca tinha pensado, que em inglês ou em alemão se agradece no nível mais superficial da gratidão. Quando se diz “thank you” ou quando se diz “zu danken” estamos a agradecer no plano intelectual.

Que na maior parte das outras línguas europeias, quando se agradece, agradece-se no nível intermediário da gratidão. Quando se diz “merci” em francês, quer dizer dar uma mercê, dar uma graça. Eu dou-lhe uma mercê, estou-lhe grato, dou-lhe uma mercê por aquilo que me trouxe, por aquilo que me deu. Ou “gracias” em espanhol, ou “grazie” em italiano. Dou-lhe uma graça por aquilo que me deu e é nesse sentido que eu lhe agradeço, é nesse sentido que eu lhe estou grato.

E que só em português, que eu conheço, que eu saiba, é que se agradece com o terceiro nível, o terceiro nível, o nível mais profundo do tratado da gratidão. Nós dizemos “obrigado”. E obrigado quer dizer isso mesmo. Fico-vos obrigado. Fico obrigado perante vós. Fico vinculado perante vós. Fico-vos comprometido a um diálogo, agradecendo-vos o vosso convite, agradecendo-vos a vossa atenção. Fico obrigado, vinculado, a continuar este diálogo e a poder contribuir, na medida das minhas possibilidades, para os vossos projetos, para os vossos trabalhos, para as vossas reflexões, para o vosso diálogo. É esse diálogo que quero e é nesse preciso sentido que eu vos digo: muito obrigado”.

* * *

Não conhecia o tratado da gratidão de São Tomás de Aquino, e após o vídeo fiquei curioso em conhecê-lo. E, após sua leitura, como a desenrolar um novelo de lã, a lembrança de um outro texto saiu da memória.

A jornalista e escritora mineira Leila Ferreira, no seu livro "A arte de ser leve", conta sobre o problema do encolhimento do vocabulário da delicadeza, trazendo pensamentos do filósofo Renato Janine Ribeiro, sobre a estranha substituição do "obrigado" por "valeu".

"Dizer 'obrigado' significa que você se sente com obrigação em face da pessoa que lhe prestou um favor - isto é, ela fez algo que não tinha obrigação de fazer. Diante de uma dádiva, você afirma que se sente seu devedor e que procurará retribuir o presente - geralmente algo imaterial, sutil, como deixá-la passar à sua frente. Mas, quando você responde 'valeu', as coisas se invertem. Você diz ao outro que ele, o doador gratuito, cumpriu a obrigação, isto é, que o ato dele teve valor, mas nada mais além disso."

Esse livro da Leila foi das agradáveis surpresas literárias de 2015, dê uma chance a ela! Não vai se arrepender.

E se quiser conhecer o valor de um "muito obrigado", leia o interessante texto desse link.

E a todos vocês que passam semanalmente por aqui, deixando um pouco de si, levando um pouco de mim, e especialmente a Cristina, minha querida professora que foi inspiração desse texto, o meu "muito obrigado".


7 comentários:

  1. Então..
    Muito obrigada!!!
    Tem sido um alimento semanal a leitura proporcionada em teu Blog!!!

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  2. Então..
    Muito obrigada!!!
    Tem sido um alimento semanal a leitura proporcionada em teu Blog!!!

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  3. Muitíssimo obrigada! 👏👏👏💐
    Sua professora foi tia Cristina(esposa de Humberto)?

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  4. Muito obrigada, amado filho, por vc existir e a cada semana me preencher de alegrias , reflexões e gratidão eterna , pelas postagens que tanto bem me fazem e tanto aprendo!!!! Papéis agora invertidos,filhos ensinam mãe, alias ,nossa vida toda foi sempreuma constante troca, e eu agradeço a Deus e a vcs. Minha verdadeira riqueza!!!

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  5. O Vídeo é muito bom, preferi assistir do que ler a reprodução, mais emoção. Legal a conclusão do Português, ao menos no nível do agradecimento estamos à frente das Potências né!
    E, aproveitando o assunto, OBRIGADO!
    Te amo.

    Felipe de Souto

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  6. Ric, obrigado por me fazer lembrar de muitos professores que passaram por minha vida, uns ensinando a arte das palavras e muitos outros ensinando a arte da vida. A eles também o meu muito obrigado, por hoje eu ser uma pessoa melhor do que ontem. Abraços. Seu pai coruja.

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  7. Lembrei de conversas nossas "linguística, não gramática!". E, sabe por quê?
    É inacreditável como até assistir o vídeo e ler os pensamentos que Leila dividiu em seu livro e o link que você compartilhou de Miguel Dias Filho, eu era preconceituosa com a palavra "obrigado". E aí vem a linguística ou a má vontade de interpretar.
    Sempre pensava: "obrigada a quê? qual o motivo? não sou obrigada a nada!" E, ao contrário do valeu, minha interpretação me levava a esse nível intermediário espanhol e italiano de gratidão. "tão mais bonito dizer "grata" à "obrigada" (assim eram os meus devaneios em relação à palavra). E aí vem você, e toda essa estrutura e me mostra que sim, eu sou obrigada, eu devo algo e gratidão é isso!
    Obrigada por tirar mais essa trave do olho!

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Fiado só amanhã.
Obrigado e volte sempre.